POESIAS

            A poesia para mim é um mergulho profundo em busca de respostas que ecoam há muitos anos em minha vida. Uma busca incessante por um caminho que me leve até ao autoconhecimento e que me faça descobrir o meu verdadeiro eu.
            A saudade, a dor da perda, as dúvidas sobre o amanhã se mesclam aos sentimentos de amor e carinho que sinto por cada canto da minha cidade natal. Esse é o conjunto que projeta o meu Eu, sobre a paisagem dessa imensidão do nada que nos rodeia.
            A invisibilidade do ser humano diante do universo é algo que me intriga e que me faz escrever em uma busca desenfreada a procura de respostas que satisfaçam a minha eterna curiosidade.
            Sei que até o momento do meu último suspiro, estarei fazendo aquilo que a vida tem me dado à oportunidade de fazê-lo, que é escrever os meus sentimentos em forma de poesia e pedindo ao Grande Arquiteto do Universo que ilumine os caminhos que ainda tenho que traçar nessa fuga desenfreada em busca de algo que nem mesmo eu sei o que é.
 
 
Gonzaga Filho

 

FUGA

 

Fuga...
Uns fogem da prisão,
Outros fogem da vida.
Mas se a minha vida é uma prisão,
Eu sou um eterno fugitivo.
Vivo preso, encarcerado
Em labirintos de pensamentos.
Vivo preso, torturado
Por não encontrar resposta
Para a vida que levo.

Na ânsia de liberdade, escrevo,
Escrevo poemas, escrevo poemas
De amor, de ódio, de revolta.
Sinto vontade de chorar,
Sumir no horizonte,
Fugir da vida e não mais retornar
Ao outro lado do muro dessa prisão.
Fugir da vida
Pelos caminhos que traço com o lápis
Ou afogar-me em cada lágrima
Que rola em meu rosto
Neste momento de fuga.

 

EU SOBRE A PAISAGEM

 

Minhas células
Começam a envelhecer
Eu começo a morrer
No momento em que nasço
Inicio o andar e o correr
E pela infância passo
 
Chega à puberdade
Adolescência e liberdade
Momentos de dúvidas
Em plena idade
E não sei o que faço
Em busca da felicidade
Sou alguém
Que conquistou o fracasso
 
Pinta em meus cabelos
A cal do tempo senil
Apaga-se a marca juvenil
Da vida levada no compasso
Quando reinava
Eu sobre a paisagem
Belo jovem
Puro estardalhaço
 
Hoje
Já descansando em campa fria
Sei que a vida
É todo caminho que traço
Para alguns
Fui a imagem da alegria
Para muitos
Apenas mais um palhaço.
 

 

A IMENSIDÃO DO NADA

 

Sob a vastidão do Universo que clareia
Sentado sobre grãos microscópicos de areia
Pergunto ao infinito, quem sou?
De onde vim e para onde vou?
 
A lua reluta e se esconde
E somente o silencio responde
À noite em brilho de estrelas me banha
E a imensidão do nada comigo barganha
 
Pede para que eu pare de pensar
E deixe o curso da vida continuar
Pois se eu encontrar a resposta
Ficarei triste em saber
que sou apenas um bosta
 
Nada sou e nada serei
Nada tenho e nada terei
Para não com a riqueza me envolver
Pois até o meu corpo
terei a terra que o devolver
 
As perguntas em meu peito calam
Somente os sentimentos falam
Em meu rosto uma lágrima suave corre
No momento em que
o brilho da lua me socorre
 
Perco-me em um pranto silencioso
Como testemunha, só o céu esplendoroso
Mergulho em um turbilhão de pensamentos
Querendo respostas para os meus sofrimentos
 
Tudo é silencio em minha volta
As ondas do mar acalmam minha revolta
E vejo a minha vida quieta, parada
Que me diz em um sorriso que solta
Que sou apenas parte da imensidão do nada

 

MENINOS DA MIASSABA

 

Olho pela minha janela
Os meninos da Miassaba a brincar
Oh, como são tagarelas
No seu futebol a jogar
É chute na bola e na canela
É gol na dor a gritar
 
Rio Miassaba está enchendo
Meninos se põem a nadar
Na correnteza vão descendo
Não param de falar
A tarde vai escurecendo
Saem da água em busca do jantar
 
Rua Rio Miassaba é felicidade
Vivem os meninos a sorrir
Não sabem o que é falsidade
Não sabem o que está por vir
Eles curtem a bela idade
Como só as crianças sabem curtir
 
Hoje são apenas crianças
Vivendo sem nenhuma preocupação
Tem no amanhã a esperança
De ter uma boa formação
Mas somente no estudo se alcança
Felicidade e uma boa profissão
 
Meninos aproveitem a vida
Essa transgressora passageira
Não se preocupem com a lida
Ou com uma vida financeira
Não deixem a felicidade perdida
Vivam de uma forma aventureira
 

 

DO PORTÃO DO MEU QUINTAL

 

O rio corre mansamente em busca do mar
O sol já se prepara para dormir
É hora de a lua despertar
Para com seu lindo brilho surgir
E com sua beleza encantar
Fazendo a fria tristeza sumir
 
Vejo a sombra escura do manguezal
Com suas aves a se agasalhar
Um burburinho infernal
E o meu peito a cantar
Exultando essa beleza fenomenal
Que somente Deus foi capaz de criar
 
O Rio Miassaba vai secando
Com suas águas prateadas
As tainhas vão saltitando
Sobre as canoas fundeadas
Ondas vão se formando
Sobre as croas cobreadas
 
Passa um filme em minha mente
Vejo a minha infância vivida
Banhando-me nessa água corrente
Não tinha ainda a alma ferida
Vivia a vida freneticamente
Sem preocupar-me com a vida
 
Do portão do meu quintal
Eu vejo a beleza que partiu
E uma lágrima com gosto de sal
No meu triste rosto surgiu
Voltei à vida real
A minha felicidade sumiu
 

 

ONDE ESTÁ A FELICIDADE

 

É incessante a minha procura
Em busca da felicidade
Saio pela noite escura
A vagar pela cidade
Da brisa sinto a frescura
Das pessoas a falsidade
 
Nos bares começa a peleja
Deixando minha alma mergulhada
Dentro de copos de cerveja
Pela angústia afogada
Não encontro o que ela almeja
E ela volta angustiada
 
Não existe uma dor mais doída
Que te deixa sufocado
Do que ter a alma ferida
Em ter o teu sonho abandonado
Em ter a esperança traída
E o espírito aprisionado
 
Não desejo fama e nem dinheiro
Nem glória e tampouco poder
Quero apenas um amor verdadeiro
E feliz poder viver
Com o espírito puro e altaneiro
Aí terei uma vida de prazer
 
Uma criança passa a sorrir
Com o brilho da lua a lhe banhar
Lágrimas no meu rosto começam a surgir
Salgadas como a água do mar
Vou botar minha alma para dormir
E tentar no amanhã feliz acordar

 

EXPULSO DO MEU EU

 

Foi tudo tão repentino.
A tristeza me expulsou do meu eu
E não tive tempo de arrumar a casa.
 
No sofá da sala ficaram esquecidas
As minhas alegrias...
Na cozinha ficaram esquecidos
Os meus momentos de prazer...
Em um canto qualquer do terraço
Ficaram as minhas amizades...
No meu quintal foram deixadas
As minhas doces recordações...
A tristeza nem mesmo me deixou recolher
O amor que esqueci sobre a cama.
 
Foi tudo tão repentino
Que não deu nem mesmo
Tempo para me vestir
E saí desnudo das minhas emoções.
 
Só tive o tempo suficiente
De pegar uma sacola plástica de supermercado
Cheias de decepções que a vida me presenteou
 
E é com esta bagagem
Que como um cão vadio
Continuo vagando em meu dia a dia.
 

 

CANSAÇO

 

Cansei de viajar
E desci da minha vida
Já não sei o que é amar
Como continuar a minha lida
Já não sei como sarar
Da minha alma essa ferida
 
Minha vida arredia
Sofre com a solidão
Tornou-se tão vazia
Já não tem mais emoção
Minha alma vadia
Já não tem mais salvação
 
Nesta vida de tristeza
Perambulando pela cidade
Sentindo a certeza
Que nesta dura realidade
O cansaço roubou-me a beleza
E matou minha felicidade
 
Noite fria e escura
A solidão me provoca temor
Mergulho em minha loucura
Tremo diante de tanto terror
É grande a minha tortura
Minha alma sangra de dor

 

PERDI O RISO

 

Eu não rezo
Eu perdi o riso
Pois perdi a graça
 
Sou apenas um humano
Que brinca com as letras
Que brinca com o som
Que brinca com as cores
 
Pinto de azul o céu
Usando apenas o pincel
Usando as cores
Esqueço-me das dores
 E grito o seu nome
Em meu microfone
 
As letras eu prezo
Porém não rezo
Eu perdi o riso
Por me tornar um homem liso
Ai perdi a minha raça
Por não achar graça
Do cotidiano
De violência e desgraça

 

MUNDO PARALELO

 

Shiiiii, silêncio...
Não fale, não grite para não acordar
Os fantasmas do meu mundo paralelo
Deixe-me perdido em meu mundo
Calado, sozinho só a observar
Como meu feio mundo se torna belo
 
Mergulho em letra, palavra e papel
Perco o fôlego na poesia, na pura emoção
Venho à tona em tinta, tela e pincel
Respiro fundo na alegria do meu coração
Em instantes vou do inferno ao céu
E me faço companhia na minha solidão
 
Um mundo que me abraça forte
Que me transporta a sábia loucura
Que em minhas carnes eu sinto o corte
Ferido em minha eterna procura
Se nesta dimensão sou vida ou morte
Se sou claro dia ou a noite escura
 
Não sinto mais o calor esquecido
Amar tornou-se mera banalidade
Caminho feliz com meu Eu triste ferido
Sou mais um a vagar pela cidade
Neste mundo sinto-me aquecido
Quando em silêncio busco a felicidade
 
Mundo paralelo de imensa riqueza
Fonte de minha fútil inspiração
Quando raciocino com clareza
Ouvindo os acordes de uma canção
Não sei dizer com certeza
Se sou um ponto final
Ou apenas um ponto de interrogação
 

 

SOU

Sou canto
Sou encanto
Sou universo
Sou desencanto

Sou a lágrima do olho que chora
Sou o adeus daquele que vai embora
Sou a mansidão
Do ponteiro que fornece a hora

Sou o sabor ácido do limão
Sou a batida de um coração
Arco do Triunfo
Sou melancolia e solidão

Sou a águia altaneira
Sou a nau bucaneira
A violência
Sou uma sombra aventureira

Sou a fera ferida
Sou a alma indevida
Sou a morte esperada
Sou o semblante da vida
 
Sou os acordes de uma canção
Sou povo, sou nação
Sou opúsculo, sou crepúsculo
Sou verme...
Sou tudo, sou nada
Sou da vida a podridão

 

MIRAGEM

 
          Na hora do ângelus.
          O sol esconde-se no horizonte.
          Maré de vazante.
          Sento-me na areia da praia salpicada por conchas de búzios, fico a observar o Rio Aratuá seguindo lentamente com sua majestosa correnteza, entre o cais e o mangue.
          Rio bonito. Rio Aratuá indo em busca do grande encontro com as belas ondas do mar, não sem antes beijar as areias da Praia do Presídio estendida ao seu lado, demonstrando toda a sua beleza e sensualidade.
          Ao longe ouço a Ave Maria de Gounod. Sons melodiosos que vem de algum rádio, de alguém que acredita nos seres celestiais.
          Escurece e o céu é ornado pelo dourado das estrelas, o som das marolas batendo nos costados das canoas e dos barcos de pesca que estão ancorados no rio. Torna-se um cenário melancólico, é como se Manet tivesse pegado os seus pincéis e tivesse pintado tão belo quadro.
        De repente transporto-me a um passado não um tanto remoto; época em que meus avós e meus tios desfrutavam da vida de uma Guamaré, pacata vila de pescadores.
          Época em que o progresso não tinha interferido na vida dos nativos. Todos se conheciam e participavam das festas e folguedos existentes na cidade e organizados pelos próprios moradores.
          É como se eu estivesse vendo Guamaré ainda virgem, intocada, sem o cais de pedra da Petrobrás e que tinha a beleza natural dos manguezais preservada, rios sem poluição, as belas dunas da Penha onde íamos pegar água de beber em suas cacimbas de águas cristalinas.
        Ao invés de lanchas e rebocadores barulhentos, lançando fuligem e fumaça de óleo diesel no céu de minha cidade; tínhamos os botes da aguada, os botes de pescaria carregados de Voadores e Dourados, singrando silenciosamente o rio até o atracadouro em frente à Igreja de Nossa Senhora da Conceição.
Ah! Guamaré, quantas mudanças.
         Perdeu o charme e o romantismo de cidade pequena, com o bate papo na calçada do mercado e deu lugar a uma mistura de sotaques de diversas regiões do Brasil e até mesmo de outros países. Ninguém se cumprimenta mais, os costumes e as tradições do seu povo feliz e hospitaleiro estão se perdendo no tempo e dando lugar a novos costumes e novos conceitos de vida trazidos pelos “forasteiros” que invadem a cidade em busca de uma melhor condição de vida.
        Guamaré, o eldorado petrolífero.
        Guamaré, antiga ilha dos gatos.
       Guamaré que já se chamou Aguamaré, mas que apesar de tantas mudanças, eu continuo te amando, pelas belezas dos teus rios e manguezais e pela forma simples dos teus filhos conciliarem toda essa transformação tão abrupta.
       De repente, um idiota estaciona em frente ao Bar do Cobal, abre a mala do carro e coloca um CD de axé-music aumentando o volume ao máximo, me tirando dos meus devaneios e, a minha Guamaré tão querida que eu gostaria  que ainda existisse, sumiu, desapareceu como miragem, trazendo-me a realidade.
        Levanto-me e caminho em direção ao calçadão.
        Caminho cabisbaixo sobre as negras serpentes asfáltica em que se transformaram as ruas de Guamaré.